quinta-feira, 26 de maio de 2011

O CHÁ DA LIBERDADE


Na segunda metade do século XVIII a relação entre as colônias inglesas da América e sua metrópole (Inglaterra) já apresentava sinais de desgastes motivados por algumas divergências, como por exemplo, a carga excessiva de impostos cobrados aos colonos pela coroa inglesa. Podemos seguramente afirmar que o agravamento desta crise se dá logo após a Guerra dos Sete Anos (1756 e 1763), travada entre ingleses e franceses por possessões territoriais no continente americano. Por fim, os ingleses saem vitoriosos, porém esta vitória traz consigo um significativo endividamento, no qual, o então rei da Inglaterra, Jorge III procurará sanar através do aumento da carga tributária colonial. A notícia não fora bem recebida pelos colonos que tinham que compreender e/ou aceitar a alegação metropolitana de que o maior beneficiado pela vitória na Guerra dos Sete Anos fora os próprios colonos. Anos mais tarde, era promulgada pelo governo inglês a Lei do Chá (1773), concedendo privilégios no que diz respeito a comercialização do chá nas colônias à Companhia das Índias Orientais, isentando-a dessa forma, do pagamento de taxas alfandegárias, ou seja, a Inglaterra outorgava o controle da venda de chá para a Companhia das Índias Orientais. Vale ressaltar que o chá era uma bebida de cunho popular bem difundida na época e justamente pelo fato de ter saída, normalmente dava bons lucros aos seus vendedores, sendo assim, esta lei traria prejuízo certo para os colonos.
Mas como afirmei no início desta postagem que a relação entre metrópole e colônia apresentava claros sinais de desgastes, podemos afirmar ainda que o descontentamento colonial não se deu de forma aleatória, desorganizada ou ainda, isolada. Alguns grupos de colonos insatisfeitos passaram a se organizar em sociedades secretadas fortemente influenciadas pelos ideais iluministas, fazendo nascer e difundir o sentimento de “liberdade” entre os seus participantes. Dentre estas associações podemos destacar os “Filhos da Liberdade”, discípulos da ideologia do filósofo iluminista John Locke, este grupo foi responsável por um evento que mudaria definitivamente a história das treze colônias inglesas.
O evento do qual me refiro trata-se do episódio conhecido como “The Boston Tea Party” (A Festa do Chá de Boston), aonde revoltados com a tal Lei do Chá, cerca de 150 integrantes do grupo Filhos da Liberdade, disfarçados de índios Mohawk, invadem três navios ingleses que estavam atracados no porto de Boston, carregados de chá. Assim que a oportunidade surgiu, os revoltosos jogaram todo o carregamento de chá no mar, inutilizando o produto e causando enorme prejuízo ao governo inglês.
A imagem proposta nesta postagem retrata o momento exato no qual os manifestantes se desfazem do carregamento de chá.  É válido lembrar que, vários artistas procuraram retratar este evento, mas é na arte do litógrafo americano Nathaniel Currier (1813-1888) que encontrei aspectos interessantes que irão nortear nossa leitura.
Em primeiro lugar, podemos destacar dois elementos simbólicos presentes nos navios aportados: no navio da frente, nota-se na proa, um leão, símbolo britânico, e no navio mais ao fundo da cena, uma bandeira da Grã-Bretanha, o que acabam por reforçar a originalidade dos navios atacados segundo os descritos sobre o assunto.
A cena ainda retrata os integrantes dos Filhos da Liberdade no exato momento em que jogam as caixas repletas de chá no mar. Estima-se que juntas, as cargas dos três navios chegavam a aproximadamente 45 toneladas de chá. O gesto, digamos que rebelde, tem um peso simbólico significativo, pois representa um afrontamento à coroa inglesa que na época era do rei Jorge III, ou seja, era o primeiro gesto concreto contra o autoritarismo real por parte dos colonos que lembrando, em teoria devia fidelidade à sua metrópole, no caso à Inglaterra. Outro aspecto relevante, refere-se ao apoio concedido ao evento por boa parte dos colonos da época, o que está representado nas pessoas que aparecem no porto assistindo tal cena, como se estivessem incentivando  tais ações revoltosas. O interessante é que o ato ocorreu às escondidas e muito provavelmente não havia espectadores naquele momento. Na realidade esta obra foi pintada muitos anos após o ocorrido e o que Nathaniel Currier procurou passar foi o apoio de muitos colonos ao ato de rebeldia, já que cada vez mais o grau de insatisfação dos mesmos com o autoritarismo de Jorge III ganhava mais força. Uma evidencia disso, é que o gesto de ataques a navios ingleses ou a boicotes sobre produtos provenientes da Inglaterra, se repetiria por diversas outras vezes em praticamente todas as regiões das colônias, consolidando cada vez mais o desgastes entre colonos e a Inglaterra.
Bom... ficamos por aqui. Até uma próxima oportunidade.
Saudações históricas!


sexta-feira, 13 de maio de 2011

AS "PALMADAS" QUE D. PEDRO II LEVOU

Charge do Jornal "O Mosquito" publicada em 1875


Um dos maiores desafios após o processo de independência do Brasil em 1822,  era elaborar as leis que embasariam a nova nação. Sendo assim, em 1824, era promulgada a nossa 1ª constituição e dentre as diversas curiosidades expressas naquele documento, destacaria uma, que embasaria de forma competente as reflexões propostas nesta postagem. O artigo de número 5 do título regia:
Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.
Desde então a relação entre Estado Brasileiro e Igreja perpetuaria por longos anos de forma pacífica e legitimadora, até que em meados do século XIX, alguns fatores contribuíram para que esta parceria estremecesse, resultando futuramente num rompimento. É bem verdade, que a essas alturas (segunda metade do século XIX), a monarquia brasileira estava mergulhada em uma grave crise que culminaria anos depois na proclamação da República (1889).
Para melhor entendermos a charge proposta e o seu contexto histórico de produção, é necessário destacarmos dois aspectos: O primeiro deles, refere-se aos Regimes de Beneplácito e Padroado. O primeiro deles, o Regime de Padroado dava, constitucionalmente falando, ao imperador brasileiro (no caso D. Pedro II), plenos direitos de intervir na nomeação de bispos e cargos eclesiásticos no Brasil, já o Regime de Beneplácito, que também era um direito constitucional do imperador, concedia a ele o poder de autorizar ou não a aplicabilidade das orientações vindas do Vaticano para a Igreja brasileira. O segundo aspecto a ser destacado, refere-se a generosa e harmoniosa relação entre boa parte do clérigo brasileiro e os maçons, uma vez que as duas instituições (Igreja e Maçonaria) antagonizam-se até hoje no que diz respeito a questões doutrinárias. É justamente neste ponto que a relação entre Igreja e Estado se abalaria e o Brasil daria o seu primeiro e decisivo passo rumo a laicização.
Diante da grande participação do clérigo brasileiro na maçonaria e vice-versa, e das fortes críticas tecidas pelos maçons a Igreja Católica (isso a nível mundial), é que em 1864 através da  Bulla Syllabus, o papa Pio IX proibe a participação do clero católico brasileiro junto a maçonaria. Como na época boa parte da elite econômica, religiosa e política, inclusive o próprio D. Pedro II, fazia parte da maçonaria, a medida não foi bem recebida aqui no Brasil. D. Pedro II, na condição de imperador brasileiro, não dá o beneplácito. Sendo assim, a confusão estava armada porque diante da proibição da execução da medida papal aqui no Brasil, dois bispos brasileiros, o D. Vital da cidade de Olinda/PE e D. Antônio de Macedo de Belém/PA, decidem seguir seus votos de fidelidade ao papa Pio IX aplicando a tal medida vinda do Vaticano.
Assim que a “rebeldia” destes bispos chegaram ao conhecimento do governo brasileiro, foi instituída uma ação criminal levando os religiosos a julgamento em 1874 que acabou por resultar em uma penalidade de quatro anos de prisão. Apesar do veredicto, depois de muita pressão do papa Pio IX, o governo brasileiro concede o perdão aos bispos rebeldes, o que não fora o suficiente para apaziguar a conturbada relação já instalada entre governo e Igreja Católica. Dessa forma a Igreja retira seu apoio a monarquia brasileira engrossando, ainda que de forma indireta, o crescente ideário da onda republicana que crescera consideravelmente nos últimos anos nos quatro cantos do império brasileiro.
É ai que entra a charge proposta:
Ela foi publicada em 1875 pelo jornal “O Mosquito” e procurava satirizar a QUESTÃO RELIGIOSA exposta até aqui.
Os personagens em destaque na cena são nada mais nada menos que D. Pedro II e o papa Pio IX. A direita encontra-se o papa Pio IX, muito bem simbolizado pelas chaves que carrega na cintura, seriam as chaves do céu, numa alusão ao apóstolo São Pedro, "detentor das chaves do céu". O personagem em destaque da esquerda é D. Pedro II, que prepara-se para receber um castigo, e por que não dizer “umas palmadas” do papa Pio IX.
Prosseguindo com nossa análise, ressalto que no canto inferior direito, mais precisamente aos pés do papa, encontram-se os dois bispos brasileiros envolvidos na confusão, que parecem expulsar os maçons (vestidos de negros), já do lado oposto, encontram-se maçons atrás do imperador. Este último gesto nos remete ao simbolismo de proteção, o que de fato acontecera, quando o governo brasileiro se posiciona a favor da Maçonaria, agravando ainda mais a relação entre este e a igreja.
Aguçado pelo questionamento e pela curiosidade de saber se O Mosquito era um periódico do movimento republicano ou não, encontrei o texto “A república nos traços do humor: imprensa ilustrada e os primeiros anos da campanha republicana no Brasil” que revela-me a imparcialidade do jornal. Na verdade se analisarmos bem, as duas instituições (Estado e Igreja) ai representadas estão sendo ridicularizadas pelo períodico.

Ficamos por aqui. Um forte abraço e saudações históricas!

domingo, 1 de maio de 2011

A PRIMEIRA MISSA NO BRASIL: o primeiro ato de imposição cultural portuguesa


A conversão dos povos das novas terras encontradas fazia parte do extenso leque de objetivos almejados com as Grandes Navegações no final do século 15 e início do 16. Neste objetivo em especial, a Igreja Católica portuguesa e espanhola pega uma “ponga” e ver nesta “aventura do além mar”, uma excelente oportunidade de expandir a fé cristã e consequentemente aumentar o número de fiéis. Falando dessa forma, parece que este é o único dos objetivos atribuídos às Navegações, que não possui a finalidade econômica. Se pensarmos bem, com a conversão de novos milhares de fiéis, a arrecadação também aumentaria com os impostos doutrinais comumente cobrados, como por exemplo, o dízimo e a oferta.
A tela “Primeira missa no Brasil”, produzida em 1860, por Victor Meirelles é uma importante fonte histórica que nos fornece informações merecedoras de algumas boas reflexões. Mesmo produzida há mais de três séculos do fato ocorrido, a tela de Meirelles reconstitui com maestria, no imaginário dos brasileiros, como teria sido este momento histórico.
Se formos além da beleza e da perfeição dos traços artísticos, das cores e das técnicas de pintura, esbarraremos em elementos simbólicos que compõem a cena e que estão devidamente carregados, culturalmente falando.
Sendo assim, vamos a análise de cada um destes elementos:
O primeiro deles está no fato dos portugueses estarem todos posicionados ao lado direito da tela, ao lado do mar. Esta representação não nos aponta somente ao fato de que, quem chega são os portugueses, mas sim, que ao chegarem, conquistam. A posição destes na tela, clarifica em nós a impressão de invasão, mesmo com a ausência de atos violentos (trata-se de uma invasão cultural).
E se por um lado os portugueses estão reunidos à direita da cena, os nativos encontram-se do lado esquerdo, simbolizando o desencontro de dois mundos culturais completamente antagônicos. Mas o que chama a atenção é o fato de na cena só apresentar elementos culturais, neste caso o religioso, do homem branco, remetendo-nos a enfadonha visão de que os nativos não possuíam religião ou que aquilo que chamavam de religião, não deveria ser considerado como tal.
A cruz, sem sombra de dúvidas, é o elemento central da tela, nela está contida a ideologia cristã e o fato de está acima de todos, pode ser interpretado pela afirmação de que o cristianismo é a religião que deve ser seguida agora pelos nativos, ou seja, a cruz e a realização da missa em si, é um gesto de imposição cultural.
Mais um aspecto que nos chama a atenção é a postura dos nativos que assistem a celebração, esta não chega a ser de reverência, mas de curiosidade e aceitação, o que não retrata a verdade do conturbado processo de “imposição” e não de “conversão” religiosa que se deu entre portugueses e nativos.
A desvalorização da cultura indígena impregnada na tela de Meirelles, é digamos que, suavizada, se a compararmos com a tela produzida em 1948, por Candido Portinari que também procurava ilustrar a mesma temática: "A Primeira missa no Brasil."
Observe bem a tela de Portinari:



Percebam como é inexistente qualquer aspecto que nos remeta ao nativismo brasileiro, ou seja, esta concepção de Portinari não desvaloriza a cultura indígena, mas a exclui completamente do evento histórico em si.
Sendo assim, dentre os vários questionamentos que a análise destas telas em sala de aula podem gerar, também cabe ai, uma reflexão acerca da mentalidade e/ou da concepção de nação que estes artistas e parte da população em si, tinham na época das suas devidas produções.

Para finalizar nossa postagem, deixo alguns links interessantes acerca desses dois artistas.
Boa exploração:


http://www.portinari.org.br/

http://www.museucasadeportinari.org.br/

http://www.guiafloripa.com.br/victormeirelles/

http://www.eravirtual.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=9&Itemid=16

Saudações históricas!