domingo, 30 de outubro de 2011

JÂNIO QUADROS E A TAL CONDECORAÇÃO DE GUEVARA

O presidente Jânio Quadros condecorando o ministro cubano Ernesto Guevara
com a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul, em agosto de 1961.

Em 1960 o candidato a presidente da república Jânio Quadros, vencia as eleições com cerca de 48% dos votos válidos. Sua vitória representara um certo consolo para os udenistas (UDN-União Democrática Nacional), partido político de Jânio, e que já havia sido derrotado  em eleições anteriores.
Jânio Quadros em campanha eleitoral (1960) 
Com uma vassoura em punho, o lema de campanha de Jânio Quadros era “Varrer a corrupção e o empreguismo público”. Seu perfil moralista o fez adotar medidas polêmicas como, por exemplo, a coibição ao uso de biquini em praias, a proibição das corridas de cavalos em dias de semanas, dentre outros aspectos.
Uma dura tarefa aguardava Jânio Quadros, já que as condições econômicas do país não estavam bem, a dívida externa havia crescido assustadoramente no mandato anterior, o de Juscelino Kubitschek, sem contar, a alta inflacionária. Numa tentativa de minimizar os problemas e equilibrar as contas, Jânio adotou algumas medidas como o congelamento dos salários, o aumento de impostos e suspendeu algumas linhas de créditos que o governo disponibilizava para empresários e importadores de trigo e petróleo. Sem essas linhas disponíveis, o preço do pão e da gasolina sofreu em pouco tempo um reajuste na ordem de 100%.
Como já deu para perceber, estamos falando de um político polêmico e é justamente uma dessas atitudes polêmicas que colocamos agora em nossa discussão. A imagem proposta para nossa postagem trata-se de uma fotografia, um registro histórico que nos mostra uma das mais polêmicas atitudes de um governista no período democrático compreendido entre os anos de 1946 a 1964. A fotografia registra o exato momento em que Jânio Quadros condecorava, com a mais alta honraria da nação brasileira, a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul, o então ministro cubano Ernesto Che Guevara, como se observa na foto.
Até ai, tudo certo? Errado! É preciso lembrar que vivíamos neste período a "paranóica" Guerra Fria e a atitude de homenagear um líder comunista em solo capitalista, por mais desprenteciosa que seja, não poderia passar despercebida e sem qualquer tipo repercussão ou "buchicho" político.
Sendo assim, diante de tal homenagem, os setores mais conservadores da política e da sociedade brasileira, acusavam Jânio Quadros de ter se alinhado ao bloco comunista e chegaram até mesmo a cogitar que a intenção de Jânio era implantar uma ditadura no Brasil. É em meio a esse conturbado contexto, que surpreendentemente no dia 25 de agosto de 1961, o então presidente da república renunciara. O motivo, não muito claro, de sua renúncia abriu brechas para muitas interpretações. Alguns afirmaram que a renuncia de Jânio Quadros fora uma estratégia do mesmo com o objetivo de se perpetuar no poder, desta vez, sem processo eleitoral, mas trazido pelos braços do povo que exigiria nas ruas a sua volta, o que acabou não acontecendo.
De certo é que o Congresso, composto em sua maioria por oposicionistas, não titubeou em aceitar a renuncia de Jânio Quadros, que com apenas com apenas 7 meses de empossado, via seu mandato chegar ao final.
Segundo o historiador Boris Fausto, a intenção de Jânio ao condecorar Che Guevara era simbólica, na verdade o presidente brasileiro queria anunciar ao mundo, ao reatar as relações diplomáticas com os soviéticos, que as relações políticas internacionais do Brasil a partir daquele momento era independente, ou seja, não estaria submissa as determinações nem dos Estados Unidos, líder do bloco capitalista, nem muito menos da União Soviética, líder do bloco comunista. Ainda nesta linha de raciocínio de Boris Fausto, o prefeito de Brasília em 1961, Paulo de Tarso Santos, por meio de um depoimento recorda aquele momento:
 “A condecoração foi um ato artificial porque não era uma adesão política do Jânio ao Guevara. O governo todo, aliás, ficou horrorizado com ela. Ninguém queria dar o almoço protocolar, nem os ministros, nem o próprio Palácio do Planalto. (...) A cerimônia de condecoração, imagine, ocorreu às 6 horas da manhã. Depois Guevara foi deixado às moscas. Após o almoço eu sobrevoei Brasília, de helicóptero, com ele. (...) Quando nós aterrissamos, de volta, no aeroporto, não havia nos esperando um único ministro de Estado, uma única figura oficial, sequer havia um único soldado.” (SANTOS, P.T. 64 e outros anos. São Paulo: Cortez, 1984. p.34-5)
Contudo, o governo de Jânio Quadros foi um dos mais curtos da nossa história política e as atitudes polêmicas adotadas pelo então presidente custou-lhe muito caro, além de render-lhe adjetivos como o de exibicionistas, traidor, covarde, etc. Também se faz necessário perceber que em 1961 as bases do golpe militar que seria aplicado em de 1964, já estavam sendo articuladas e isto ficou bem visível quando os militares queriam impedir a posse de João Goulart, vice de Jânio Quadros, pelo fato do mesmo ter características de cunho nacionalista e populista.
Sendo assim, ficamos por aqui.
Um forte abraço!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A DESIGUALDADE EXPRESSA NUM SIMPLES JANTAR DO BRASIL COLONIAL

JEAN-BAPTISTE DEBRET: Um jantar brasileiro, 1827



“Um jantar brasileiro” é uma das obras do francês Jean-Baptiste Debret, mais difundidas pelos livros de História que abordam as relações cotidianas do Brasil Colonial. Pintor e desenhista, Debret, proporcionou aos brasileiros, um valiosíssimo acervo de imagens que servem de referência para estudiosos e curiosos da nossa história e cultura sobre a primeira metade do século XIX.
A tela proposta para esta postagem nos permitirá fazer uma análise crítica acerca das disparidades existentes na sociedade brasileira daquele período. O escravismo era o pilar de sustentação econômica e social, pois por aqui, Brasil, quem trabalhava mesmo eram os escravos.
Feitas as primeiras observações, vamos a nossa análise.
O primeiro aspecto que nos chama a atenção ao observar a cena é a extrema facilidade na qual conseguimos identificar os livres e os cativos. Isto se dá quase que única e exclusivamente pela cor da pele. De forma secundária, essa diferenciação é feita também pelo fato de que alguns negros servem, é o caso da negra que abana o casal, e de que os outros estão à disposição dos brancos para atender a qualquer situação ou solicitação que porventura surja.
A farta mesa devorada pelo casal é um ponto estratégico para refletirmos a desigualdade social existente na época. Imagine você, segundo descrições do próprio Debret, em sua obra “Uma Viagem Pitoresca ao Brasil”, um jantar na casa de um pequeno ou médio negociante, como o que se vê na cena, era constituído de:

“(...) de uma sopa de pão e caldo gordo, chamado caldo de substância, porque é feita com um enorme pedaço de carne de vaca, salsichas, tomates, toucinho, couves, imensos rabanetes brancos com suas folhas, chamados impropriamente nabos etc., tudo bem cozido. No momento de pôr a sopa à mesa, acrescentam-se algumas folhas de hortelã e mais comumente outras de uma erva cujo cheiro muito forte dá-lhe um gosto marcado bastante desagradável para quem não está acostumado. Serve-se ao mesmo tempo o cozido, ou melhor, um monte de diversas espécies de carnes e legumes de gostos muito variados embora cozidos juntos; ao lado coloca-se sempre o indispensável escaldado (flor de farinha de mandioca) que se mistura com caldo de carne ou de tomates ou ainda com camarões; uma colher dessa substância farinhosa semi-líquida, colocada no prato cada vez que se come um novo alimento, substitui o pão, que nessa época não era usado ao jantar. Ao lado do escaldado, e no centro da mesa, vê-se a insossa galinha com arroz, escoltada porém por um prato de verduras cozidas extremamente apimentado. Perto dela brilha uma resplendente pirâmide de laranjas perfumadas, logo cortadas em quartos e distribuídas a todos os convivas para acalmar a irritação da boca já cauterizada pela pimenta. Felizmente esse suco balsâmico, acrescido a cada novo alimento, refresca a mucosa, provoca a salivação e permite apreciar-se em seu devido valor a natural suculência do assado. Os paladares estragados, para os quais um quarto de laranja não passa de um luxo habitual, acrescentam sem escrúpulo ao assado o molho, preparação feita a frio com a malagueta esmagada simplesmente no vinagre, prato permanente e de rigor para o brasileiro de todas as classes. Finalmente, o jantar se completa com uma salada inteiramente recoberta de enormes fatias de cebola crua e de azeitonas escuras e rançosas (tão apreciadas em Portugal, de onde vêm, assim como o azeite de tempero que tem o mesmo gosto detestável). A esses pratos, sucedem, como sobremesa, o doce-de-arroz frio, excessivamente salpicado de canela, o queijo de Minas, e mais recentemente, diversas espécies de queijos holandeses e ingleses; as laranjas tornam a aparecer com as outras frutas do país: ananases, maracujás, pitangas, melancias, jambos, jabuticabas, mangas, cajás, frutas do conde, etc.” (DEBRET, 1839)

Ufa, deu até fome!
Se por um lado, a comilança e a farta mesa de jantar do negociante se repetia a cada dia, do outro lado, compunham a refeição dos negros cativos apenas “(...) dois punhados de farinha seca umedecidos na boca pelo suco de algumas bananas ou laranjas.” (DEBRET, 1839)
Acredito veementemente que isso explica o fato do escravo que está em pé, próximo a mesa, manter “o olhar fixo” para a suculenta comida posta a mesa. Faminto ou no mínimo mal alimentado, o que ele deveria está pensando diante de tal situação?
Já na parte inferior da tela, nos é apresentado duas crianças que ainda não atingiram a idade de serem utilizadas nos serviços mais pesados, ou seja, na labuta e na crueldade do dia a dia do escravismo colonial brasileiro. Acerca destas crianças, o próprio Debret descreve que

“(...) é costume, durante o tête-à-tête (conversa a parte entre duas pessoas) de um jantar conjugal, que o marido se ocupe silenciosamente com seus negócios e a mulher se distraia com os negrinhos que substituem os doguezinhos (cachorros), hoje quase completamente desaparecidos na Europa.” (DEBRET, 1839)

Dessa forma, assim como os cães que ficam ao pé da mesa na hora do almoço ou do jantar, na espreita de conseguir algo, as crianças cativas recebiam das mãos de sua senhora, manjares e doces. Pobre gurizada, que mal acostumada aos “mimos” de sua senhora, em breve cairá na laboriosa luta diária de um escravo e passará a comer a tal farinha umedecida com suco de algumas poucas laranjas ou bananas.
Cabe-nos ainda destacar alguns outros detalhes da cena, como por exemplo, a roupa nada elegante, usada pelo negociante. De fato a ostentação era um elemento que constituía as relações sociais das pessoas abastardas do período, mas o jantar era “sagrado”, sendo assim, procurava-se está à vontade para saciar fome e vivenciar aquele momento não só íntimo, mas importante do dia. Sobre este aspecto, Debret nos conta que:

“Era muito importante, principalmente para o estrangeiro que desejasse comprar alguma coisa numa loja, evitar de perturbar o jantar do negociante pois este, à mesa, sempre mandava responder que não tinha o que o cliente queria. Em geral não era costume apresentar-se numa casa brasileira na hora do jantar, mesmo porque não se era recebido durante o jantar dos donos. Muitas razões se opunham: em primeiro lugar o hábito de ficar tranquilamente à vontade sob uma temperatura que leva, naturalmente, ao abandono de toda etiqueta; em seguida a negligência do traje, tolerada durante a refeição; e, finalmente, uma disposição para o sossego que para alguns precede e para todos segue imediatamente o jantar.” (DEBRET, 1839)

Por fim, uma vez destacados os principais pontos da tela, podemos chegar a conclusão de que além de patriarcal e escravista, os pilares da sociedade brasileira colonial estavam fundamentados no quesito desigualdade, e assim, nos cabe a importantíssima consciência histórica de que esta mesma configuração de sociedade, deixou enraizado este mal ainda não totalmente superado nos dias atuais. Se a cena de "Um jantar brasileiro" pintada por Debret, revela um aspecto que cotidianamente se repetia nos lares daquele período, Brasil a fora, aonde dois ou três saciavam a fome sentados a farta mesa servida por quatro, cinco ou seis famintos, não é difícil compreender porque que no Brasil atual as diferenças sociais são tão ruidosas que a sensação que se tem é de que numa reprodução contínua da tela de Debret, em proporções muito maiores, o Brasil nada mais é, política, cultural e economicamente falando, que dois, três ou quatro sentados à fartíssima mesa, servida por um número incontáveis de famintos.

Ficamos por aqui pessoal!
Um fortíssimo abraço e Saudações!